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A 5ª Câmara do TRT da 15ª Região (Tribunal Regional do Trabalho), em Campinas, manteve a demissão por justa causa de uma atendente de telemarketing que ridicularizou uma cliente gaga, imitando-a durante o atendimento. A atitude da operadora provocou risos dos colegas, o que, para o Tribunal, aumentou a humilhação sofrida pela cliente.
A decisão unanime no colegiado do TRT manteve sentença já proferida pela 3ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto. O relator no TRT o desembargador Lorival Ferreira dos Santos. A operadora tentava reverter o caso e tem até segunda-feira para apresentar recurso ao TST (Tribunal Superior do Trabalho), em Brasília.
O relator do processo, em seu voto, argumentou que a gagueira, por si só, já causa dificuldade à pessoa, e a ridicularização da operadora agravou ainda mais o caso.
“É totalmente reprovável a conduta de empregada que, na função de atendente de telemarketing, ridiculariza cliente que fala com gagueira ao telefone, rindo dela e imitando seu jeito de falar para os colegas de trabalho. Agindo assim, a empregada violou gravemente o princípio da dignidade humana –o mais relevante fundamento da República Federativa do Brasil– e cometeu falta grave a ensejar a ruptura contratual por justa causa, principalmente porque trabalhava numa atividade cujo foco é justamente o atendimento ao público em geral, sendo inadmissível a maneira como reagiu diante da deficiência alheia”, afirmou.
O desembargador ainda reforçou que “nada justifica a atitude da operadora, que não só riu “involuntariamente” [como alegou a funcionária], mas ficou imitando a cliente para que seus colegas se divertissem também, demonstrando nitidamente que não sabe conviver com a adversidade”.
A operadora, tentando se defender, afirmou que havia pressionado a tecla “mute” do telefone, para que a cliente não ouvisse seus comentários.
“O fato de a autora ter acionado a tecla ‘mute’ para que a cliente não escutasse a chacota é argumento que não a socorre, pelo contrário, a meu ver, torna ainda mais grave e lamentável a atitude da empregada que teve o desplante de pausar a ligação para que pudesse caçoar mais à vontade”, afirmou.
No processo, a Justiça incluiu trecho do diálogo entre a operadora e a cliente. (Os nomes foram omitidos para preservar a identidade da cliente).
Operadora: Tudo bem senhora, em que posso ajudá-la?
Cliente: Hã, hã, hã, eu quero hã, eu quero saber até, até, quando eu tô, eu tô, hã, hã, hã, hã, participando da promoção dos seis centavos.
Operadora: Certo, só um momento.
(Neste momento, a atendente deixa a linha em pausa e começa a imitar a voz da cliente, “Hã, Hã, Hã”, ouvem-se risos, muitos risos).
Nossa Senhora, Nossa Senhora, Meu Deus. Muda ainda, meu Deus do céu.
(A cliente continua em pausa na linha). Ao fundo mais vozes e uma voz, aparentemente masculina, pergunta “Como é que ela faz aí?” Hã, hã, hã, hã, hã (muitos risos mais uma vez, muitos risos). “Seis centavos”, repete, gaguejando, tentando imitar a voz da cliente.
(Risos, muitos risos.) Nossa Senhora, que agonia que me dá, gente de Deus, olha. (Risos, muitos risos). Deus do céu que agonia, hã, hã (risos). Deus me perdoa, Senhor. Senhor me perdoa, tira esses maus pensamentos de minha cabeça, Pai (risos ao fundo).”
Após a transcrição, o desembargador conclui. “Como se vê, o deboche é patente”.
Por Geiza Martins
A trabalhadora entrou com ação para tentar reverter a demissão por justa causa determinada pela Brasil Center Comunicações LTDA. A empresa dispensou a autora depois de ter recebido reclamação do marido da cliente. A 3ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto já havia negado o seu pedido.
Quando atendeu a ligação, a operadora de telemarketing pediu para que a cliente aguardasse por um momento:
Atendente: Tudo bem senhora, em que posso ajudá-la?
Cliente: Hã, hã, hã, eu quero hã, eu quero saber até, até, quando eu tô, eu tô, hã, hã, hã, hã, participando da promoção dos seis centavos.
Atendente: Certo, só um momento. (Neste momento, a atendente deixa a linha em pausa e começa a imitar a voz da cliente, “Hã, Hã, Hã”, ouvem-se risos, muitos risos). Nossa Senhora, Nossa Senhora, Meu Deus. Muda ainda, meu Deus do céu. (A cliente continua em pausa na linha). Ao fundo mais vozes e uma voz, aparentemente masculina, pergunta “Como é que ela faz aí?” Hã, hã, hã, hã, hã (muitos risos mais uma vez, muitos risos). “Seis centavos”, repete, gaguejando, tentando imitar a voz da cliente. (Risos, muitos risos.) Nossa Senhora, que agonia que me dá, gente de Deus, olha. (Risos, muitos risos). Deus do céu que agonia, hã, hã (risos). Deus me perdoa, Senhor. Senhor me perdoa, tira esses maus pensamentos de minha cabeça, Pai (risos ao fundo).
O relator, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, afirmou que discriminar pessoas que têm gagueira é tão errado quanto ridicularizar pessoas com qualquer outra deficiência. “A gagueira é um distúrbio de fluência, caracterizada por repetições, alongamentos ou bloqueios de sons ou de sílabas ou pela evitação dessas disfluências, sendo causada por um mau funcionamento de áreas do cérebro relacionadas à temporalização da fala, o que diferencia as pessoas gagas daquelas que são fluentes”, explica didaticamente o relator.
De acordo com o desembargador, a telefonista cometeu falta grave que revela justa causa, “principalmente porque trabalhava numa atividade cujo foco é justamente o atendimento ao público em geral, sendo inadmissível a maneira como reagiu diante da deficiência alheia”.
Santos citou entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo com o escritor português José Saramago. Nela, Saramago fala sobre sua gagueira: “Aqueles que gozam da sorte de uma palavra solta, de uma frase fluida, não podem imaginar o sofrimento dos outros, esses que no mesmo instante em que abrem a boca para falar já sabem que irão ser objeto da estranheza ou, pior ainda, do riso do interlocutor”.