Publicado em Revista Claudia.
O escritório pré-2020 não existe mais. O sistema 100% remoto do isolamento, aos poucos, deixa de fazer sentido. O que nos espera é totalmente inédito e está sendo criado nesse momento, enquanto você e eu trabalhamos. Revoluções eram esperadas no ambiente profissional, mas elas foram aceleradas pela pandemia, a ponto de estarmos sem respostas agora.
A maioria das empresas já opta por um modelo híbrido, indicando que casa e trabalho nunca mais serão totalmente separados. Ao mesmo tempo, quem tem funções que exigem o presencial ainda se adapta a uma rotina com máscaras, reuniões com distanciamento, cuidados mil para evitar dar novas chances ao vírus da Covid-19 e um pouco de medo (tanto pelo risco de infecção como pela instabilidade da economia, que gerou muitas demissões no ano passado).
Fazer gestão de tantos conflitos e conseguir navegar na incerteza vai valorizar cada vez mais as soft skills (numa tradução livre, habilidades suaves). A nomenclatura chegou a incomodar especialistas como Simon Sinek, que acreditam que o título reduz a importância delas. Ele prefere chamá-las de human skills, ou características humanas. São elas: a empatia, a capacidade de acolhimento, de comunicação e de trabalhar em equipe, a paciência, entre outras.
Para além da pandemia, a automação e o desenvolvimento de inteligências artificiais também muda o cenário de empregos. De olho nesse contexto, no final do ano passado, o Fórum Econômico Mundial lançou o Relatório Futuro do Trabalho, no qual lista as habilidades essenciais para profissionais desenvolverem caso desejem continuar ativos no mercado até 2025. Destaque para a resiliência, a flexibilidade, a tolerância ao stress e a aprendizagem ativa, além da capacidade de resolver problemas complexos e de se comunicar.
“Muita gente acha que comunicação é algo fácil, mas há uma diferença muito grande entre falar e ter certeza que estou transmitindo a mensagem para que o outro entenda. Devo refletir sobre qual voz uso, os termos, se é uma linguagem de fácil compreensão. E do outro lado, eu preciso garantir que estou ouvindo com atenção e consciência”, explica Juliana Algodoal, especialista em comunicação corporativa, CEO e fundadora da Linguagem Direta.
Um processo de troca muito aberto e participativo foi essencial para que a Mondelez Brasil, dona de marcas como Bis, Tang e Club Social, repensasse o esquema de trabalho com a chegada da pandemia. “Deixamos muito claro desde sempre que não temos todas as respostas e que seremos flexíveis até encontrarmos o melhor caminho”, afirma Betina Corbellini, diretora de recursos humanos da empresa. Rodas de conversa foram organizadas e um slogan foi criado como símbolo da iniciativa de combater o tabu sobre a saúde mental, #TudoBemNãoEstarBem.
A liderança foi incentivada a compartilhar suas dificuldades, mostrando para todos os funcionários que aquele ambiente estava pronto para acolher quem precisasse de ajuda. “Eu contei sobre episódios de depressão, e vi que pessoas se identificavam. Incentivamos formas de criar vínculo, como fazer reuniões um a um, pois pessoas contratadas durante a pandemia não tiveram a oportunidade de conhecer pessoalmente ninguém de sua equipe, dificultando a relação. Também traçamos uma parceria com o Instituto Paulista de Psicologia, que montou uma pesquisa, cuja resposta era opcional. Com as participações, eles identificaram quem precisava de apoio e conseguimos oferecer tratamentos personalizados”, acrescenta Betina.
Agora, de olho no futuro, a empresa repensa o escritório. O modelo híbrido, com home office misturado a dias presenciais, já era instituído para os funcionários administrativos. Quando iam para a empresa, eles encontravam grandes mesas com baias para trabalhar. Uma reforma vai transformar 70% do espaço em área de colaboração, onde equipes conseguem se reunir para conversar e criar projetos, ter interações e viver mais ativamente o coletivo, ato que se tornou prioridade para a gigante global de alimentos após entender o impacto da falta do encontro durante o isolamento.
“A característica humana mais marcante de ser desenvolvida agora é o interesse genuíno em se conectar com o outro. Se essa não for a sua essência, você não conseguirá entregar o restante das human skills. O segredo da felicidade são as relações gratificantes que desenvolvemos, as conexões reais. Isso exige que estejamos dispostos a nos abrir, a nos ligarmos ao colega para além da utilidade dele no nosso dia a dia; e com o chefe para além do retorno da avaliação de desempenho”, fala Caroline Marcon, administradora e advogada, consultora organizacional e coach executiva.
Segundo ela, as habilidades humanas permitirão que as pessoas consigam mais facilmente falar como desejam ser tratadas e colocar limites. “A nova dinâmica vai exigir outro tipo de investimento de energia. Vamos precisar praticar a preocupação genuína com o outro, o olhar gentil, afinal, vai ter bastante novidade para todo mundo”, acrescenta. “Muitos voltarão ao trabalho presencial diferentes. Alguns descobriram no último ano e meio que há coisas mais importantes do que o trabalho, outros reviram a divisão de tempo que praticavam, amadureceram, resolveram que precisam ficar mais com a família. Eu gosto de propor uma reflexão. Questione-se sobre quem você é hoje e como difere da pessoa que era em março de 2020”, fala a especialista, que gosta de lembrar que produtividade depende de bem-estar e saúde, portanto que essas transformações pessoais e relações devem ser a preocupação maior das empresas no momento.
Alterações históricas
A predominância do modelo soft vai contra o padrão por muitos anos instituído no ambiente corporativo. Era a autoridade, revelada por ordens, falas altas e grosseiras, a atitude soberana. “Esse é um estilo de gestão herdado da era industrial, tido como mais masculino. Inserimos isso no nosso cotidiano e passamos a acreditar que falar com amorosidade não gerava reações de respeito. A pandemia nos fez perceber que esse comportamento nos levou a adoecer. Lideranças que não respeitam outras pessoas, hoje consideradas tóxicas, causam estresse, ansiedade e burnout”, acredita Ligia Costa, mentora de líderes femininas, professora de mindfulness e autora de Líder Humano Gera Resultados (Gente).
Para ela, houve um rompimento com a figura do líder egóico, que acreditava que todos deveriam servir a ele. “Sucesso agora ganha outro significado para além de dinheiro, poder e fama. Entendemos que há coisas que importam mais. Funcionários querem uma liderança congruente, que motive, acredite e crie uma relação de confiança”, acrescenta Ligia, que afirma que as mulheres são líderes naturalmente mais empáticas e humanas.
Como chegar lá
As chamadas habilidades humanas, para muitas pessoas, são as que nos diferenciam de robôs. Isso quer dizer que elas são naturais a nós, mas não que estão sempre desenvolvidas ou ativas. Permitir que elas fiquem à superfície e sejam usadas exige empenho e vontade de mudar. “Estudos indicam, por exemplo, que somos seres empáticos desde o nascimento. É por isso que quando um bebê chora no berçário, os outros acompanham. Eles sentem a dor do primeiro. Só que, conforme o tempo passa, vamos nos afastando dessa capacidade. Durante a infância e adolescência, fica mais forte o desejo de pertencimento, de fazer parte de um grupo. Para isso, vamos nos moldando em comparação aos outros. Perto dos 35, 40 anos, o processo de autoconhecimento aflora e voltamos para o interno. Desejamos alcançar nossa autenticidade na sua máxima potencialidade. Na evolução desse olhar, entramos em contato com as habilidades humanas. Desenvolvemos um olhar mais compassivo, coragem para assumir quem realmente somos e a capacidade de fazer o outro se sentir incluído, acolhido”, fala Ligia.
Essa virada não acontece de uma hora para outra, obviamente. Antes de tudo, é preciso estar consciente para o trabalho interno. Em seguida, é fundamental se dispor a adotar pequenos hábitos que funcionam como treinos das habilidades humanas. “Dar bom dia para alguém, um ato tão singelo, é oferecer uma pequena gentileza, demonstrar um olhar para o outro. A compaixão aos poucos vai sendo elaborada e o altruísmo, em algum momento, talvez até leve você a se oferecer como voluntário em uma ação social. Esse é um exemplo de um caminho de um extremo bem simples a outro já desenvolvido”, explica Ligia.
Por fim, ela recomenda práticas de mindfulness. Segundo ela, as meditações são capazes de mudar a plasticidade do cérebro, evitando que tenhamos sempre atitudes impulsivas, reativas e passemos a pensar melhor em nossas ações. “Eu relaxo meus músculos, inibo a produção de cortisol, o hormônio do estresse, libero hormônios de prazer e conquisto a sensação de bem-estar, de gratidão. Essa postura também fará com que você se dirija aos outros de uma forma diferente”, garante.